segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Publicado o Tomo 50 dos «Cadernos Vianenses»!...



«Os cinquenta tomos dos Cadernos Vianenses, elaborados entre 1978 e 2016 apresentam uma história refeita de novas ideias e novos factos, com capas e ilustrações que apenas a Liberdade permitiu e com estudos que fazem reflexões sobre a vida social, cultural e histórica do nosso concelho…»

José Maria Costa

Depois da nossa precipitada ausência durante cerca de dois meses, porque condicionados por contratempos físico-motores de um dos membros superiores, eis que voltamos ao saudável convívio com os nossos leitores. Marca esta “rentrée” a nossa incondicional presença na cerimónia de lançamento do Tomo 50 dos Cadernos Vianenses, publicação periódica (presentemente, anual) da Câmara Municipal de Viana do Castelo que há trinta e oito anos (1978-2016), como afirma em nota de “Apresentação” o seu director e presidente do Município, José Maria Costa, são exemplo da liberdade de expressão e da democracia. Só nesta assunção de liberdade é que publicações como estas se realizam e é também graças ao poder local eleito, que assinala neste mês os seus 40 anos, que este tipo de liberdade acontece…, manifesta convicção com a qual corroboramos e, consequentemente, subscrevemos.


Como vem sendo habitual, coube ao coordenador desta tão procurada e ansiada publicação, simultaneamente director da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo, Rui A. Faria Viana, fazer a abertura e as honras da casa, espelhando através de uma análise minuciosa, cientificamente irrepreensível, todo o percurso dos Cadernos Vianenses ao longo dos 38 anos de existência, vinculado e impresso em letra de fôrma pelos 50 Tomos, centrando-se por último na análise aos conteúdos deste quinquagésimo tomo, enaltecendo a qualidade dos colaboradores, a longa e ininterrupta ligação do artista Rui Pinto aos Cadernos Vianenses, “ligação que para além de ser graciosa já se tornou afectiva”, e o reportório gráfico-científico do designer Rui Carvalho.
Apraz-nos registar as palavras de Maria José Guerreiro, vereadora do Pelouro da Cultura, expressando o incontornável papel desta publicação que já se tornou uma referência a nível nacional, principalmente quando se fala da Cultura como “o tecido que perdura e que sustenta a sociedade”; de Rui Pinto quando na sua bem vincada e indisfarçável modéstia procurou comparar o seu trabalho às prendinhas de Natal: Estamos numa época em que, curiosamente, pode aparecer uma oferta com grande papel bonito, muitas fitas, e quando abrimos aquilo não tem nada de importante lá dentro. As capas são o papel de Natal. Gostava que olhassem para o meu trabalho como o papel de embrulho. É a primeira imagem do livro. Os "Cadernos Vianenses" valem pelo seu conteúdo – disse; e, por último, as palavras do presidente do Município, José Maria Costa, que reforçariam a importância deste mesma publicação, espelhada pela qualidade dos seus colaboradores, agradecendo à Biblioteca e a toda a sua equipa a dinâmica cultural ao longo deste mandato, salientando a articulação com as redes das Bibliotecas Escolares; descodificação através do trabalho com os autores, ilustradores e poetas (Contornos da Palavra); apoio à investigação; espaço de diálogos culturais (convívio de várias expressões culturais), dando como exemplo o «À conversa com...» e «Feira do Livro»; oportunidade criada no apoio a várias edições, transformando-a num veículo da promoção do Livro, dando ênfase ao «Prémio Escolar António Manuel Couto Viana», apostando nos novos talentos, etc., conotando-a como uma “Biblioteca Activa”.
   

E porque seria fastidioso, para não dizermos incompatível com o “objecto-espaço” destes nossos apontamentos, ficar-nos-emos pelos conteúdos e autores deste quinquagésimo tomo: Cadernos Vianenses: os cinquenta tomos editados entre 1978 e 2016, da autoria de Rui A. Faria Viana, Carla Mesquita e Zita Manso (p. 13-19); Cinquenta capas e o mesmo autor: arte aplicada e criatividade de Rui Pinto (1.ª parte), da autoria de José da Cruz Lopes (p. 21-53); Anónima mas reconhecida: a fonte que dá nome aos “Cadernos Vianenses”, da autoria de Patrícia Vieira (p. 55-66); Viana da Foz de Lima no século XVI: as famílias vianesas segundo o rol de inscrição na Confraria do Nome de Jesus em 1561, da autoria de António Matos Reis (p. 71-150); Subsídios para a História do Porto de Mar de Viana: as obras de 1931/40, da autoria de Gonçalo Fagundes Meira (p. 153-165); Camilo Castelo Branco (1825-1890): entre o génio-nevropata e a loucura de seu filho Jorge, da autoria de Porfírio Pereira da Silva (p. 167-177); Viana em Camilo: o Vinho do Porto – processo de uma bestialidade ingleza (1884), da autoria de David F. Rodrigues (p. 179-193); Mosaico de habitats e flora da orla costeira minhota, da autoria de Horácio Faria (p. 195-251); O grafismo da Romaria da Nossa Senhora da Agonia na época modernista, da autoria de Marlene Isabel Miranda Azevedo e Ana Filomena Curralo (p. 253-264); O moinho de vento de Darque, da autoria de Fernando Ricardo Silva (p. 267-285); Intervenção arqueológica realizada no âmbito da requalificação da Travessa da Vitória, da autoria de Miguel Costa, Jorge Machado e Tiago Almeida (p. 287-307); Doze objectos em exposição na Casa dos Nichos, da autoria de Hugo Gomes Lopes (p. 309-333); Maria Augusta d’Alpuim: humanismo e solidariedade, da autoria de Artur Anselmo (p. 337-346); Talha religiosa de Viana do Castelo: Panorama Estético-III, da autoria de Francisco José Carneiro Fernandes (p. 351-387); Arrolamentos dos bens das igrejas, da autoria de António Maranhão Peixoto (p. 389-399). Este Tomo termina com as habituais notas sobre os colaboradores (p. 403-414).         
Para comemorar esta edição foi lançada conjuntamente com o referido Tomo uma “pen drive” com diversos índices (bibliográfico, autores, títulos, assuntos e iconográfico) que permitirá facilitar a consulta e o acesso aos conteúdos de todos os números até agora publicados. Trata-se de um trabalho técnico desenvolvido no âmbito da equipa da BMVC, liderada pelo seu director e coordenador dos Cadernos Vianenses, Rui A. Faria Viana, e que, a partir de agora, passa a ser possível consultar ou fazer download do documento em “pdf”, através da página da Biblioteca.
        NOTA MÁXIMA!

(In, Cardeal Saraiva, Ano107, N.º 4639, 12 de Janeiro de 2017, p. 18 - Ao correr da pena e da mente... 171)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Dr. EDUARDO CALVET DE MAGALHÃES: A memória viva de um intelectual ao serviço das Artes!



Já lá vão duas dezenas de anos a esta parte que conhecemos pela primeira vez o Professor Calvet de Magalhães, como carinhosamente sempre o tratamos. É mais um daqueles cuja dimensão intelectual é proporcional à sua humildade, tendo em conta que a humildade é uma das principais – senão a principal – virtudes do verdadeiro «ente humano». Tudo que para além disto possa parecer “elevação” – fraseando Gautier – é como se julgar os homens pelas suas qualidades, e não pelo uso que sabem fazer delas. Foi na intimidade do poeta dos poetas, Fernando Pessoa, que o Dr. Calvet de Magalhães nos presenteou com dois dedos de conversa, em tempos de «Espaço Poético». Passados todos estes anos, nunca mais esquecemos a sua figura de intelectual delicado, solidário e fluentemente comunicativo. Encontramo-nos casualmente – se é que o “acaso” existe – há bem pouco tempo, numa das nossas “obrigações holísticas” e partilhamos um pouco dos nossos próprios passos, vivências paralelas na procura do universalismo. E é dele que hoje resolvemos fazer o «Retrato de Memória», porque conscientes da interacção da mente humana.


Eduardo de Sousa Calvet de Magalhães, nascido em 10 de Fevereiro de 1921, é licenciado em Desenho (com a média final de 18 valores) pelo Centro de Estudos Superiores Artísticos do C.T.P (Centro Técnico Profissional) – Alvará do Ministério da Educação, despacho do Ministro da Educação Nacional de 15 de Dezembro de 1955 sobre parecer favorável da 5.ª Secção da Junta Nacional de Educação; pós-graduado em Desenho Gráfico e Design Gráfico Editorial; 1.º ano do Master of Arts do Goldsmith College – Londres (GB); pós-graduado em Art and Design Education pela Universidade Monfort – Leicester (GB); e possui o doutoramento em Art and Design Education pela mesma Universidade de Monfort-Leicester (GB). Este professor do ensino superior, jubilado (dado não gostarmos do termo «aposentado»), é presentemente o Presidente da Direcção do Centro Holístico Internacional (CHI).
O percurso académico do Professor Eduardo Calvet de Magalhães passa pela docência (primeiro como docente assistente e depois como professor titular) no Centro Técnico Profissional, em Lisboa e no Porto, de 1955 a 1964; como professor provisório do 7.º Grupo da Escola Industrial e Comercial de Viana do Castelo (1975-1976); como professor encarregado da regência das disciplinas Sociologia da Alimentação e Educação Alimentar, de 1978 a 1986, no Curso Superior de Nutricionismo da Universidade do Porto; na Escola Superior de Belas Artes do Porto (1978-1986); professor de Técnicas de Comunicação, Técnicas de Impressão e Fotografia dos diferentes Cursos das Cooperativas de Ensino Árvore; professor regente da disciplina «Estudos Portugueses» dos Cursos de Mestrado da Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Santiago de Compostela (1997-1999); e pela  fundação de várias Cooperativas: Escola Superior Artística do Porto, Cooperativa de Ensino Artístico Polivalente Árvore (Porto), Escola Profissional de Ofícios Artísticos de Vila Nova de Cerveira e da Escola Superior Gallaecia, em Vila Nova de Cerveira.
Para além disso, no campo profissional ligado à publicidade e artes gráficas, o Professor Calvet de Magalhães revelou-se como Chefe de Secção de Publicidade e Artes Gráficas da «Ford Lusitana»– Lisboa; Chefe de Secção de Publicidade da «Shell Campany of Portugal» – Lisboa; Director Técnico do Sector Gráfico da «Fabwerke Hoechst» em Portugal; Director Técnico de «Jefigrafe» – Lisboa e Director Técnico, sucessivamente, das seguintes empresas gráficas: «Empresa do Bolhão»; «Litografia Vasco da Gama»; «La Artística» (Vigo – Espanha) e «Consórcio Industrial del Miño», em Vigo, Espanha. Toda a sua actividade no sector das Artes Gráficas vai de 1939 a 1973, donde se pode contar como paginador e orientador gráfico; gráfico-publicitário; dirigente; fundador, passando – como acima citamos – por Director Técnico e autor de vários artigos e manuais profissionais. Destacamos ainda, em 1966, a coluna semanal no «Jornal de Notícias», com o título «O Ensino como existência e como essência», que manteve durante dois anos, vindo a culminar a sua carreira neste sector como Director e Fundador da Empresa de Artes Gráficas, Consórcio Industrial do Miño – Vigo (Espanha), na base do espaço galego e português, mas é contrariado violentamente pelos franquistas e pela polícia política, ameaçado e finalmente preso em Novembro de 1973, com grande aparato e campanha caluniosa na Imprensa e mantido em sequestro até 4 de Maio de 1974, data que é libertado perto da fronteira francesa, sem julgamento, após acusação ridícula de financiar, através de Portugal, revolucionários bascos e catalães e de cumplicidade com o atentado a Carrero Blanco, Primeiro Ministro.
O Professor Calvet de Magalhães está ainda ligado à fundação dos jornais escolares «Gente Moça», «Gente Nova» e «Revelação». Fundou também, de parceria com Ernesto de Sousa, Jaime Cortesão Casimiro, Mário de Azevedo, Julião de Azevedo, Joel Serrão, Borges de Macedo e Rui Grácio, o jornal Universitário «Horizonte», por ocasião da primeira greve académica de 1942; e com Jaime Cortesão Casimiro, fundou a «Editorial Confluência», que veio a publicar a primeira antologia de Fernando Pessoa com o célebre prefácio de Adolfo Casais Monteiro, o que deu lugar a um vergonhoso processo da Polícia de Investigação Criminal, sendo a edição apreendida e, mais tarde, libertada por sentença da Relação de Lisboa. Nos domínios da banda desenhada, arte gráfica, ilustração e construção de armar, colabora nos jornais «O Senhor Doutor», «Tic-Tac» e «Mosquito» e, posteriormente, «O Pirilau», participando na Direcção do «Rim-Tim-Tim» com Oscar Pinto Lobo e «Diabrete» com Simões Muller. Participa no lançamento do «Diário Popular», com seu pai, e no diário desportivo «A Baliza», com seu irmão. Termina o Dicionário Trilingue de que seu pai é autor até à letra «P». Tomou parte e apresentou várias teses em congressos. Dentre as inúmeras exposições que efectuou, destacamos: Colectivo da Árvore, 1980; Bienal de Cerveira, Agosto de 1980; Exposição de Serigrafias da Árvore – Arco, Lisboa, Setembro de 1980; Exposição de Professores da ESBAP, Porto, 1982; Exposição de Serigrafias, em Monreal (Canadá), 1985, e Bruxelas, em 1986.
         Obras principais: «Manual Profissional de Artes Gráficas». Porto: Domingos Barreira Editor, 1956; «T.V.P. – Técnica de Vendas e Publicidade», em cooperação com os Professores Fernando Carvalho Costa e Manuel Calvet de Magalhães. Porto: Manuel Barreira Editor, 1.ª ed., 1958 e Didáctica Editora, 10.ª ed., 1982; «Técnicas de Impressão». Porto: Edição da Associação de Estudantes da 2.ª Secção da ESBAP, 1964 e 1978; «Fotografia». Porto: E.C.M., 1969; «O Expressionismo e a Arte Moderna»; e «Sena da Silva – 50 anos de ofícios».

R.I.P.  O Professor Eduardo Calvet de Magalhães, faleceu hoje, Quarta-feira, 4 de Janeiro de 2017. Até sempre Camarada e Amigo/Irmão!

(In, A Aurora do Lima (Viana do Castelo), Ano 150, n.º 25, Sexta-feira, 8 de Abril de 2005 - Retratos de Memória (L)) 

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

FÉNIX RENASCIDO?



Nestes últimos dias do ano de dois mil e dezasseis (2016) impõe-se da nossa parte uma obrigatória justificação para a nossa precipitada ausência, mas tal contratempo deveu-se a circunstâncias das fragilidades humanas. Depois de uma aparatosa, injusta e dolorosa queda, veio a circunstancial imobilização do braço direito [Acromio tipo I. Aspectos sugestivos de fractura da porção antero-inferior da glenoide escapular (...)].

Foto de Vasco Silva

Escrevíamos a grande custo com a mão esquerda, a 20 de Dezembro: Tal como o Fénix, esse pássaro fabuloso mencionado pela primeira vez por Heródoto, também nós lançamos fogo a maleitas no aconchego do nosso ninho, para que das cinzas nasça um novo Fénix, quiçá, em representação figurada ou literária da Pedra Filosofal e mítica do Grande Ano. Regressamos do Hospital da Luz, depois de exames complementares de diagnóstico e consulta, um pouco mais aliviados, mas ainda muito pouco convencidos. Imperioso regresso a 24 de Janeiro (do Grande Ano?) para novos exames complementares (RX Ombro – 2 Incidências) e nova consulta de Ortopedia com o Doutor Pedro Costa. Entretanto, a modo obrigatório, exercícios de circunstância de modo a que um novo Fénix possa nascer a fim de levar o antigo para Heliopolis. O ritual mágico da sobrevivência permanece. Antes Fénix que Abutre. Há dias e momentos assim!
 
     A TODOS OS NOSSOS AMIGOS, LEITORES E SEGUIDORES DESEJAMOS, DO FUNDO DO CORAÇÃO, QUE O MELHOR DE 2016 SEJA O PIOR DE 2017.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Cognição e sublimidade poética em Márcia Passos!...

«Quando eu era moço observei que nove das dez coisas que eu fazia fracassavam. Como não desejava fracassar, eu trabalhava dez vezes mais.»

Bernard Shaw


Quando nos propomos em falar da consciência, enquanto conhecimento que qualquer ser humano possui dos seus pensamentos, dificilmente poderemos misturar o estado imediato ou espontâneo, que nos remete para a simples presença de nós perante nós mesmos, no momento em que pensamos, sentimos e agimos, com as debilidades físicas ou ilusórias dos nossos desejos e representações. Não é por acaso que muitos dos filósofos defendem que em todos os casos, a consciência é sempre igualmente consciência de si, tendo em conta a possibilidade que tem de se desdobrar sobre si própria. Para pensarmos o mundo que nos rodeia, não temos que necessariamente apelar à mobilidade física. Como diria Pascal nos seus “Pensamentos”: «O homem não é mais de que um junco, o mais fraco da natureza, mas é um junco pensante», levando-nos à “certeza” de que a consciência reflecte a essência do ser humano e se faz a sua miséria, mas constitui também a sua grandeza.
Toda esta “retórica” inicial para repudiarmos a velha pseudociência da “fisiognomia” assumindo, porque não, uma espécie de “vingança do espírito sobre a matéria”. Vem isto a propósito desse ser maravilhoso (de te fabula narratur) que se dá pelo nome de Márcia Filipa Barbosa Passos, com translações iniciadas, na cidade de Viana do Castelo, a 24 de Julho de 1995, cujos diagnósticos físicos a relevam para a circunstancial condição de ser uma jovem portadora de paralisia cerebral, lesão esta decorrente de um trauma obstétrico e que a deixou com graves sequelas a nível motor e de fala.


É esta mesma Márcia Passos, finalista do Curso Superior de Gestão Artística e Cultural (sonho concretizado e com perspectiva de estágio a curto prazo), que desde muito cedo, a forma mais clara que ela tinha de comunicar, de maneira a que a fosse entendida, era através do que escrevia; talvez daí o profundo gosto pela escrita, o seu maior escape, nos bons e maus momentos. E se um dia sonhou (em) escrever um livro, como forma de consciência como intencionalidade, fornecedora de sentido, se eventualmente o sentido for reconhecido como aquilo que faz um SER maravilhoso como a Márcia orientar-se para algo, que a transcende e a projecta para o futuro, «entre mim & eu» resulta da “não interioridade”, nem “coisa”, mas exterioridade, “relação com…”, intencionalidade: «Escrever é um escape que toda a alma perdida procura, / Escrever é encontrar água no deserto, / Um oásis ali, bem perto. / Escrever é deitar a cabeça na almofada / E sonhar, com palavras e letras a alma a cantar…» (p. 11). Até mesmo a aparente “tristeza literária”, apazigua-se com os desabafos da alma e do coração, porque fala de presença, testemunho, gratidão, sombras e passos, eternidade, palavras e argumentos: «…E eu, / Agora, / Sou mais e menos / Do que a sombra que atormenta / A escuridão. / Quem sou? / Apenas destino / Esculpido / Pelo correr do tempo.» (p. 15). A consciência como fundamento do conhecimento intemporal, transparência do SER perante si mesmo. Nada há de pura coincidência de si para consigo.
O SER maravilhoso em Márcia Passos transfigura-se e suplanta-se às fragilidades, porque é sol, menina e mulher, guerreira. Conscientemente guerreira: «…Quero que, quando morrer, / Ninguém chore, / Não quero flores / Nem fotografia na minha campa, / Porque… / Os ventos sopram, / As árvores abanam, / Os rios correm, / E verão que / A Vida / Está dentro da vida. / Quando morrer…» (p. 18). Sentido de vida para além da vida, numa convicção de que «A Morte dói, / Mas nunca me matará.» (p. 19). Não é para qualquer guerreira, menina-mulher, ter a “consciência” das debilidades templárias (enquanto transporte “de anima”) e afrontar a dor sem deixar de sonhar, a essência de quem vê mais longe: «Escreve sobre mim, / Escreve o destino, / Porque os traços imperfeitos do teu corpo / Já eu os sei de cor. / Escreve e cala-te, / Devora em silêncio os meus livros, / Pequenos regaços teus, / A natureza não pede mais nada do que somente / Os abraços, silenciados pelos momentos…» (p. 26). A sublimidade poética, sem aparências ou dissimulações, em Márcia Passos, faz da poesia, ainda que ela o questione, traços delineados na pele, processamento do poema, vida escrita, onde o amor nasce no regaço dos nossos peitos: «O amor esconde-se / Nos regaços, / Onde os abraços são afagos / Para acalmar o nosso rio, / E dar luz ao instinto, / Dar alma às palavras reveladas / Que saem e que falam de amor…» (p. 39).
Por contraditório à nossa formalidade de princípio, quando achamos que é um atentado explicar poesia e não senti-la (afrontando à boa maneira aristotélica, “o contingente opõe-se ao necessário”), ficar-nos-emos pelo predicado real que só pode ser entendido como um ser contraposto ao ser aparente. O que não é o caso de «entre mim & eu» em Márcia Passos, por onde perpassam passaportes para o quotidiano; mar dos poetas onde pescadores perdem vidas; mitos que permanecem; luzes e sombras; gritos em silêncio; liberdades que (nos) fazem esquecer as amarras do passado: «Liberdade é ler os livros que ninguém lê, / Olhar nos olhos de outro alguém, / Não ser perfeito, somente fazer o que lhe convém. / É livre quem nasceu para viver. / E quem, até por justa causa, / Não tem medo de morrer.» (p. 49); sopros do adeus; hinos à Mãe pela pena da “menina dos olhos tristes”; saudades; música para adormecer; lençóis íntimos das palavras: «…Aqui está o Entre Mim e Eu, / Só entre mim e eu é que escrevo, / Comigo não há mais nada na alvorada do dia, / Pois estou só, guiada pela mão da Poesia.» (p. 71); e formas de ser feliz. Tal como a Márcia, “Hoje, oiço o poema / De uma menina que tudo faz / Para ser Feliz.” Sabemo-lo e sentimo-lo, porque “de anima” (emanação quente pela qual foste criada) de mulher, em corpo de menina.
           Até à próxima!

(In, Notícias da Barca, Ano XLI, N.º 1256, 29/30 de Outubro de 2016, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes-31)

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

«Obsessão Ocidental: o problema da causalidade mental» aos olhos de William James!...

«William James afirma que uma ideia verdadeira não é uma simples cópia da realidade. É quando uma ideia é um guia útil para acção e está de acordo com a realidade, que ela é verdadeira…»

Élisabeth Clément [et al.]

Porque andamos preocupados e, circunstancialmente, envolvidos pelo estudo da “interpretação e indiscernibilidade”, recorrente de uma necessidade de espairecer a própria consciência, a nossa rede de segurança assenta – ou alicerça-se – na leitura de William James (1842-1910), filósofo e psicólogo norte-americano pioneiro, considerado, ao lado de Charles Sanders Peirce, um dos fundadores do pragmatismo.
Se tomarmos em linha de conta a imagem científica do mundo, depressa concluiremos que todos dependem de uma imagem científica desse mesmo (nosso) mundo. O mapa do problema de William James é claro na indicação do curso da acção. Duas histórias correm lado a lado com fidelidade: Uma das histórias só tem sentido contra a outra se exercer uma função útil.
A sequência de pensamento jamesiano pode ser melhor compreendida pelo fim. Suponha-se que, de facto, existe uma influência causal da consciência no sucesso biológico dos indivíduos. Tomando como pano de fundo a ciência moderna, somos obrigados a concordar que ainda hoje nos mantemos enredados em três pertinentes interrogações: Como identificar a influência causal?; Quais os sinais que revelam essa influência causal?; Se essa influência causal existe, como denuncia a sua presença? – que nos obrigam, hermenêuticamente falando, a saber interpretar sinais, nomeadamente os da consciência. Assim sendo, e parafraseando William James, a manutenção de um registo de memória ao longo do tempo de vida do indivíduo é um início da presença da consciência; os indivíduos biológicos em que a distinção entre dor e prazer é conspícua têm mais probabilidades de sobrevivência do que os indivíduos em que essa distinção é inexistente; um nível X de complexidade organizacional dos cérebros é condição suficiente para identificar a presença da consciência; e os sentimentos de paixão amorosa revelam a influência causal da consciência na vida dos sujeitos.


O problema jamesiano da procura de sinais da eficiência causal da consciência não está encerrado numa colecção finita de situações padronizadas. Assim, a referência aparentemente excepcional do ser humano adulto consciente é um esquema de interpretação da presença da consciência entre muitos outros esquemas. Por isso, para este filósofo e psicólogo norte-americano, não existe nenhum princípio racional a partir do qual se possa avaliar todas as situações de identidade entre sujeitos conscientes (autistas vs. pacientes da síndrome do locked in, lobotomizados vs. microcéfalos, professores universitários vs. apanhadores de coral, etc.) e entre estados de consciência (depressão vs. alegria, sonho lúcido vs. insónia, actividade racional vs. vergonha, etc.). A haver esse princípio, ele teria que ser interpretado.
O resultado da procura dos sinais de consciência é ambíguo. Ou seja, partimos do que é suficientemente bom para poder ser interpretado como consciente (Ex: quando alguém toma uma atitude socialmente reprovável é característica a expressão – És um inconsciente!) e reforça-se no que é indiscernível de uma experiência subjectiva que se toma provisoriamente como padrão (a do próprio sujeito) – Para nós, hoje, é indiscernível a corrupção e prática da Inquisição; a pena de morte; a escravatura actual, etc. As experiências subjectivas de um único sujeito são constantemente interpretadas e comparadas e, também a seu respeito, não existe um critério absoluto. Por exemplo, uma coisa é aquilo que eu sou, outra coisa é aquilo que julgo que sou. Se eu não me conheço em função da minha consciência – e/ou equilíbrio pessoal –, como poderei desenvolver a minha urbanidade desde a família à sociedade?
Um indivíduo para que possa saber que está consciente tem que identificar sinais e essa é uma actividade em linha de continuidade com processos como o da identificação de rostos de pessoas suas conhecidas. Conteúdos parciais da consciência, como actividade racional, sonho, depressão, ou sentimento amoroso, são interpretados e os seus sinais não são tão evidentes que não necessitem de um inquérito racional (Sonhar é um estado da consciência – por isso é que há a interpretação imediata dos sonhos). A apreensão que a consciência faz de si mesma para ser tão imediata que não necessita de processos de interpretação de sinais. Uma das características principais da consciência é a da verificação de inconsistências nas avaliações de identidade, seja a própria, seja a de outros seres humanos. Ter sensações subjectivas significa, entre muitas coisas, que alguns sinais, eventos, estruturas e conteúdos, são interpretados como fazendo parte do si mesmo e outros como não fazendo parte do si mesmo.
O elemento comum à normalidade e à patologia é a possibilidade do erro que acontece na interpretação de sinais ou indícios. O ponto interessante é o de que todos têm de fazer interpretações porque o referente da palavra que utilizam – “consciência” – não pode ser acedido sem a actividade de interpretação. O grau mínimo da interpretação começa por ser a observação, isto é, o ponto em que se contacta com o objecto a interpretar. Não há interpretações universais tal como não há actos de observações neutros.
Por hoje, aqui fica a nossa partilha. Consciente e pragmática.
         Até à próxima!

(In, Notícias da Barca, Ano XLI, N.º 1255, 20 de Outubro de 2016, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes-30)

terça-feira, 11 de outubro de 2016

O conceito de trabalho, pensamento ou cognição em Hannah Arendt!...

«A passagem da sociedade – a ascensão da administração caseira, das suas actividades, problemas e recursos organizacionais – do sombrio interior do lar para a luz da esfera pública não diluiu apenas a antiga divisão entre o privado e o político, mas alterou também o significado dos dois termos…»

Hannah Arendt

«A Condição Humana» de Hannah Arendt é quase, obrigatoriamente, a nossa “bíblia” de cabeceira, sempre que sentimos alguma fragilidade cognitiva, face às tropelias ou às bífidas afrontas psicológicas dos detentores do poder, ou daqueles que transitoriamente dele estão arredados. Hannah Arendt, lemo-la para descomprimir e para carregar baterias.
Precisamos dela como do pão para a boca. E porquê? Porque a durabilidade do artifício humano não é absoluta e o uso que dele fazemos, embora não o consuma, desgasta-o. O uso e o consumo, tal como o trabalho e o labor, não são a mesma coisa, embora aparentemente coincidam em certas áreas importantes, o que leva a opinião pública e a opinião dos eruditos a identificar numa só estas duas questões bem diferentes.
Para Hannah Arendt, o processo de “fazer” é inteiramente determinado pelas categorias de meios e fins. A coisa fabricada é um produto final no duplo sentido de que o processo de produção termina com ela e de que é apenas um meio de produzir esse fim. A característica da fabricação é ter um começo definido e um fim definido e previsível, e esta característica é suficiente para a distinguir de todas as outras actividades humanas. Segundo ela, ao longo da aventura humana os instrumentos e ferramentas são objectos tão inteiramente mundanos que chegam a servir de critério para a classificação de civilizações inteiras.
No mundo moderno e contemporâneo as máquinas tornaram-se uma condição tão inalienável da nossa existência como foram os utensílios e ferramentas em todas as épocas anteriores. Hoje é o uso da electricidade que continua a determinar o desenvolvimento técnico, representando a automação o estado mais recente da evolução humana.


Ao contrário das coisas, dos actos ou das ideias, os valores nunca são produtos de uma actividade humana específica, mas passam a existir sempre que os objectos são trazidos para a relatividade da troca, em constante mutação, entre os membros da sociedade. A tão lamentada desvalorização de todas as coisas, isto é, a perda de toda a valia intrínseca, começa com a sua transformação em valores ou mercadorias, uma vez que, daí em diante, passam a existir apenas em relação a alguma outra coisa que pode ser adquirida em seu lugar (Cf. Arendt, 2001: 206).
É esta perda de padrões e normas universais, sem os quais o homem jamais poderia ter construído um mundo, que Platão pressentia já proposta protagórica de estabelecer o homem, fabricante de coisas, e o uso que delas faz, como suprema medida destas últimas. Em virtude da sua suma permanência, as obras de arte são as mais intensamente mundanas de todas as coisas tangíveis. A sua durabilidade é superior àquela de que todas as coisas precisam para existir, e, através do tempo, pode atingir a permanência. A fonte imediata da obra de arte é a capacidade humana de pensar, da mesma forma que a «propensão para a troca e o comércio» é a fonte dos objectos de uso. Tratam-se, no dizer de Hannah Arendt, de capacidades do homem, e não meros atributos do animal humano, como sentimentos, desejos e necessidades, aos quais estão ligados e que muitas vezes constituem o seu conteúdo.
No caso das obras de arte, a reificação é algo mais que mera transformação; é transfiguração, verdadeira metamorfose, como se o curso da natureza, que requer que tudo queime até ficar em cinzas, fosse invertido de modo que até as cinzas pudessem irromper em chamas. As obras de arte são frutos do pensamento, mas nem por isto deixam de ser coisas.
A poesia, por exemplo, cujo material é a linguagem, é talvez a mais humana e a menos mundana das artes, aquela cujo produto final permanece mais próximo do pensamento que o inspirou.
O pensamento difere da cognição. O pensamento manifesta-se, sem transformação ou transfiguração como fonte das obras de arte e em todas as grandes filosofias, ao passo que a principal manifestação dos processos cognitivos, através dos quais adquirimos e armazenamos conhecimento, são as ciências. Devemos distinguir tanto o pensamento como a cognição da capacidade de raciocínio lógico, que se manifesta em operações tais como deduções de enunciados axiomáticos ou evidentes por si mesmos, na subordinação de ocorrências isoladas a regras gerais, ou nas técnicas de obter cadeias sistemáticas de conclusões (Cf. Arendt, 2001: 212).
A vida no seu sentido não biológico, isto é, o tempo que transcorre entre o nascimento e a morte do homem, manifesta-se na acção e no discurso, que têm em comum com a vida o facto de serem essencialmente fúteis.
        Fiquem bem e até à próxima, se, eventualmente, não recairmos!

(In, Notícias da Barca, Ano XLI, N.º 1254, 8/10 de Outubro de 2016, p. 6 - Crónicas do Átrio e do Lethes-29)