segunda-feira, 12 de junho de 2017

O campo da antropologia e o conceito de Jean-Jacques Rousseau enquanto fundador das Ciências do Homem, no pensamento de Lévi-Strauss!...



«A substância do mito não se encontra nem no estilo, nem no modo de narração, nem na sintaxe, mas na “história” que é relatada…»

Lévi-Strauss

Há cerca de seis meses que não dávamos sinal de vida activa, em face da fractura do braço escrevente, voltamos ao convívio dos nossos leitores, penitenciamos desde já por essa inadvertida falta, pelo respeito e consideração que nos merecem e, normalmente, retribuem. Mas, voltemos ao que nos interessa.
Na aula inaugural da cadeira de antropologia social dada no Collège de France, em 5 de Janeiro de 1960, Lévi-Strauss faz realçar o facto de que a antropologia social, cadeira introduzida no mesmo colégio francês em 1958, é por demais fiel às formas de pensamento que nomeamos supersticiosas quando as encontramos entre nós, para que não lhe fosse permitido prestar à superstição uma homenagem liminar; o próprio dos mitos, que ocupam um lugar tão importante em nossas pesquisas, não será evocar o passado abolido, e aplicá-lo como um parâmetro sobre a dimensão do presente, a fim de decifrar um sentido, onde coincidem as duas faces – histórica e estrutural –, que opõe ao homem sua própria realidade?


O caminho da antropologia social inicia-se com Sir James George Frazer na Universidade de Liverpool, “ressuscitando” os estudos de Franz Boas, na América, e de Émile Durkheim, na França. Segue-se Marcel Mauss, no Collège de France, que foi o primeiro a introduzir os termos “antropologia social” na nomenclatura francesa, em 1938. Na linha Saussure podemos renovar que é a natureza dos factos que estudamos que nos incita a distinguir neles o que decorre da estrutura e ao que pertence ao acontecimento. Se a sociedade está na antropologia, a antropologia, ela própria, está na sociedade: assim, a antropologia ampliou progressivamente o seu objecto de estudo, até abarcar nele a totalidade das sociedades humanas.
No discurso pronunciado em Genebra a 28 de Junho de 1962, por ocasião das cerimónias do 250.º aniversário do nascimento de Jean-Jacques Rousseau, Lévi-Strauss afirmou que Rousseau não foi somente um observador penetrante da vida campestre, um leitor apaixonado dos livros de viagem, um analista atento dos costumes e das crenças exóticas: sem receio de ser desmentido, pode-se afirmar que ele havia concebido, querido e anunciado a etnologia um século inteiro antes que ela fizesse a sua aparição, colocando-a, de pronto, entre as ciências naturais e humanas já constituídas.
Por exemplo, Jean-Jacques Rousseau define a botânica como uma “cadeia de relações e de combinações”, mas que a natureza nos apresenta encarnados nos “objectos sensíveis”. Desta forma – e segundo Lévi-Strauss – ele aspira também a reencontrar a união do sensível e do inteligível, porque essa mesma união constitui para o homem um estado primário, acompanhando o despertar da consciência; e que não deveria sobreviver-lhe, salvo em raras e preciosas ocasiões.
Para Lévi-Strauss, o pensamento de Rousseau desabrocha a partir de um duplo princípio: o da identificação com o outro, e mesmo com o mais “outro” de todos os outros, ou seja, um animal; e o da recusa da identificação consigo mesmo, isto é, a recusa de tudo o que pode tornar o eu “aceitável”. Para o mesmo antropólogo, estas duas atitudes complementam-se, e a segunda chega mesmo a fundar a primeira: na verdade, eu não sou “eu”, mas o mais fraco, o mais humilde dos “outros”.
Em suma, a revolução rousseauniana, preformando e iniciando a revolução etnológica consiste em recusar as identificações forçadas, quer seja a de uma cultura a outra cultura, ou a de um indivíduo, membro de uma cultura, a um personagem ou a uma função social que esta mesma cultura procura impor-lhe.
Também nós, só assim entendemos a ANTROPOLOGIA!

N.A.: O francês Claude Lévi-Strauss nasceu a 28 de Novembro de 1908 e notabilizou-se como antropólogo, professor e filósofo. Desencarnou em 30 de Outubro de 2009, com 100 anos de idade, e é considerado um dos grandes intelectuais do século XX.

(In, Notícias da Barca, Ano XLI, N.º 1276, 10 de Junho de 2017, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes 32)

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