sexta-feira, 3 de março de 2017

RUI PINTO: Sempre estive próximo de ser feliz... Ainda hoje é assim!...



Rui Pinto nasceu em Viana do Castelo em 1946

Entretantos:

-          Desde 1971 expõe com regularidade, individual e colectivamente, em Portugal e no estrangeiro.
-          Integrou o Grupo de Artistas Portugueses que mostrou à Europa a I Exposição Nacional de Gravura Contemporânea.
-          Participou, no Salão das Nações – Centro de Arte Contemporânea de Paris – numa Colectiva Internacional.
-          Fez parte do Projecto 1990 d.C.
-          Foi premiado – Medalha de Prata – no XIX Salão da Primavera (Estoril); Menção Honrosa na Exposição Temática sobre Lisboa e Menção Honrosa no 1.º Concurso Internacional de Cartaz Turístico.
-          Nos últimos anos tem executado vários painéis em azulejo para edifícios públicos ou privados.
-          Criou 32 medalhas destinadas a organismos ou eventos tanto em Portugal como em Espanha.
-          Recentemente criou a “Nova Cerâmica de Viana” em estreita colaboração com a Fábrica de Cerâmica Vianagrés.
-          Ilustrou dezenas de obras literárias.
-          Está referido no “Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses” do Prof. Fernando de Pamplona, da Academia Nacional de Belas-Artes.

Rui Pinto (auto-retrato)

Como se define como artista?
Aceitar a questão, sem falsas modéstias, é perturbador.
Soubesse eu definir, em mim, o homem!... E isto não é uma mera questão existencialista. É, muito mais, uma consciencialização ética que assumo e começa na complexidade do vocábulo artista em si próprio e, de imediato, no jogo com o outro que o antecede na pergunte, define.
Sejamos minimamente esclarecidos ou resvalaremos para lugares comuns e banalidades que, para além de estafados, só contribuem para a proliferação da mediocridade e, logo, do desinteresse.
Feitas estas considerações, à defesa, vou subtrair-me à complexidade do “todo” e responder, liminarmente, à questão que me é colocada.
Desde há muito rejeitei, por idiossincrasia, a designação de autodidacta face à multiplicidade da oferta de conhecimento através da qual podemos, quando interessados, desenvolver habilidades inatas, particulares, conhecer e trabalhar sobre técnicas e tendências, navegar em universos sem fronteiras mais ou menos apaixonantes. Parece-me oportuno questionar: afinal, em que grandes academias ou escolas, e de que forma, se formaram os grandes mestres, que fizeram a História... do Mundo?
Vou aterrar!
Gosto de pintar, sobretudo, pelo imenso Amor e indizível respeito que sinto pela Natureza. N’Ela vou encontrando resposta para quase tudo o que, em mim, são dúvidas. E, estas, são tantas!
A Luz, a Água, a Atmosfera, a Terra, o Vento, o Dia, a Noite... são, desde o meu ponto de vista, a essência do que somos. Mas também, é óbvio, do que não somos quando nos descuidamos ou nos divorciamos d’Ela.
Assim me sinto pessoa de algumas habilidades para o exercício de um ofício, ou ofícios, que apaixonadamente, sim, vou desenvolvendo.

Rui Pinto (Foto de Porfírio Silva, Dezembro 2016)

Fale-nos um pouco do seu percurso pessoal.
Filho de famílias muito humildes cedo fui cumprir a tarefa de ajudar os meus. Nada de extraordinário na época. – a propósito, como é hoje? – Era o Portugal dos anos cinquenta e sessenta do século passado e as exigências da vida – que não tínhamos, enquanto Vida, porque o poder encarregava-se de “A” determinar – assim o estabeleceram. Comecei por encadernador, à tarefa, em casa, de pequenos livros destinados às Missões das, então, colónias portuguesas em África. Mais tarde fui ajudante de electricista dos Estaleiros Navais e daí transitei para os Serviços Municipais da Câmara Municipal, à época responsável pelas redes de abastecimento de água e electricidade do concelho.
Foi entre dois tempos que me ocorreu algo de relevante influência na minha relação com a Arte... da Literatura.
Eu vivia com meus avós maternos, ali, na antiga Rua do Martim Velho, uma rua estreita que hoje não se reconhece. O quintal da casa de meus avós confinava com o quintal da casa, de um ilustre vianense de seu nome Júlio de Lemos, cuja fachada dava para a Rua da Bandeira. De Júlio de Lemos a lembrança é mesmo vaga. Ao contrário da sua esposa, D. Geminiana, lembro-me bastante bem... enquanto, já, viúva. A Senhora enfermara de diabetes. As perturbações daí resultantes provocaram-lhe a cegueira. Após a dolorosa perda do marido aquele era o mais dramático dos cenários para quem repartia a vida com a paixão pelo esposo e a paixão pela paixão – de vida – daquele mesmo: a literatura, a escrita.
D. Geminiana, agora, tampouco podia ler!...
Em família, dizia-se, que eu lia bem. E as boas relações criadas sob as glicínias do muro que separava os dois quintais depressa resolveram, em parte, a questão. A partir dos meus doze/ treze anos comecei a ir, diariamente, todos os fins de tarde, durante cerca de uma hora, ler para D. Geminiana. (e não é que a Senhora me convenceu que eu lia bem!?...) Não posso precisar o tempo que isto durou. Se lia bem, era a desditosa ouvinte que o dizia. Tenho, hoje, consciência de que pouco compreendia. Todavia ficou-me o hábito, a percepção do mundo que ali estava. Quase o vício. E fui “aprendendo” a ler, relendo. Fui “aprendendo” a pensar. Fui “aprendendo” a ver e a sentir.
Cerca dos dezasseis anos aventurei-me ao confronto com as folhas de papel em branco. E ora desenhava (experimentava) ora escrevia. Não demorei a descobrir a cor e aos dezassete anos assinei (Rupi) as minhas primeiras pinturas.
Aos dezoito anos, imediatamente antes da minha ida para a capital, onde fui funcionário do Tribunal de Trabalho, vendi os primeiros quadros: “O Amolador” e “A Velha”. Recebi, justamente, duzentos escudos por cada qual.
Durante o tempo que passei em Lisboa desfrutei, sempre a partir do meu próprio espaço e a ele regressando, dos benefícios culturais de uma metrópole que, mesmo castrada, tinha outra dimensão. Muitas vezes me senti “desistente” pelo deslumbramento. No interior, porém, algo persistia. Cumprido o serviço militar onde “vendi” muito trabalho através de rifas, regressei, de passagem, a Lisboa. Aos vinte e cinco anos fiz a minha primeira exposição em Viana, apresentada pelo Professor Aníbal Alcino (Obrigado, Professor!!!). Em 1971 “introduziram-me” na cerâmica. Hoje, aqui estou! Os “entretantos” já os leram.

Soajo, aguarela, 1993

O que pensa da Arte Contemporânea Portuguesa?
Quem não é ignorante dificilmente poderá ser inocente. Se não sou de todo ignorante não serei, em igual medida, inocente. E tenho opinião. Considerando a Arte no seu todo não encontro significativas diferenças entre o que se faz em Portugal e no Resto do Mundo. A globalização, matéria aparentemente recente, não o é tanto nos domínios da Arte. Desde há algumas décadas que o significado das diferentes culturas se esbateu, sobre os conceitos passaram a estabelecer-se mais permutas expericiais do que discussões por diferentes objectivos. Existe, a meu ver, uma espécie de “stand-by” que não beneficia nem o todo nem as partes.
Talvez convenha ressalvar o fenómeno da música nas décadas de sessenta e setenta do século XX.
As novas tecnologias perturbaram o ónus da criatividade, não no sentido de a reduzir, mas pelo facilitismo que permite.
Não conheço, à escala planetária, em muitas décadas já, nenhum fenómeno puramente artístico de grande projecção.
É a minha opinião: a de um empírico.

Será que podemos arriscar em pensar que sofreu a influência de alguma corrente de Arte?
Passe o aforismo o único homem que não recebeu influências de outro homem foi Adão.
De mim, alguém que muito estimo disse um dia: é um lírico-anarquista. Confesso uma certa “vaidade”, vindo de quem vem.
Eu direi que só o sentido do Belo me fascina. Ora, o Belo é indefinível. Fernando Pessoa considera-o mesmo secundário. Pessoalmente, porém, encontro-o em muitas coisas e em muito diferenciadas situações. Sendo objectivamente diferenciadas têm, por comum, para mim, o sentido do belo, a sublimação da harmonia. Sinto-me um animal intuitivo e instintivo e nessa forma de caminhar como que me distraio do humano ao encontro da inesperada gestualidade da Natureza.
Ensinaram-me – a vida também – que uma das mais elementares demonstrações e da importância da integência do homem é a sua capacidade de adaptação. Aí desempenho o meu papel e vivo as paixões. Correntes artísticas? Não hesito: os impressionistas seguidos pelos expressionistas escalaram o Everest da pintura.

Outono, técnica mista s/ tela, 2004 (pormenor)

Escrita, pintura, desenho... cerâmica?
Sou de natureza apaixonada... Quase desiquilibradamente. Mas estou de pé, e sempre perto de ser feliz. Na questão que me é colocada amo a pintura e o acto de escrever. Dou-me bem com o desenho embora desejasse conhecê-lo melhor. A cerâmica será sempre, numa linguagem passional, a “outra”.
De tudo resulta que me falta ambição o que me remete para o (des)conforto das dúvidas. Sempre aceitarei ser julgado pelo que não fiz neste estar de quase cinzentismo iluminado (sim, iluminado) pelo quotidiano amanhecer num rio que é o meu sacrário, a minha fonte.
Por agora, pouco mais...

A Arte pela Arte ou a Arte pelo Homem?
Tal como existem frases-feitas ou clichés também há ideias que não fogem a essa matriz. Parece-me o caso. Que me perdoem os mais letrados e conhecedores mas não encontrei nunca comunidade, cultura ou civilização onde a liberdade cultural do indivíduo não conhecesse oposição. Se baralharmos, partirmos e voltarmos a dar vem-nos calhar à mão o mesmo jogo. O desempenho é sempre do Homem. Foi sempre do Homem. Talvez que a Arte para o Homem. Se não, definitivamente, o Homem pela Arte.

Entrevista: Porfírio Pereira da Silva

TERRA MINHA, MINHA TERRA

Uma tela imensa, desenfreada
na côr, na luz, na água decantada
entre vales luminosos e abundantes...
as veigas litorais tão deslumbrantes,
o brilho dos olhos das moçoilas
e na boca delas as papoilas...

Nos milénios dos castros, nas “alminhas”
sempre floridas nas estradas...
e as romarias!... de um povo inteiro,
inteiro e verdadeiro!... as mordomias
e o orgulho dos canteiros nas fachadas,
em granito, das “nossas” fidalguias...

Depois, à mesa, uma paleta
policromada de vinhos e sabores,
tão generosa de tudo que os deuses
no final do banquete adormeceram
como os deuses adormecem, meus senhores!

Sobrou-nos o chão p’ra caminhar e a quietude
de um povo tisnado, sim, mas manso e pouco mais
que o delírio de poetas e pintores.

Rui Pinto
Abril / 1992

(In, «MEALIBRA: Revista de Cultura do Centro Cultural do Alto Minho», N.º 16, Série 3, Verão 2005, p. 116-120)

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